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SER LGBTQ EM BH

O que é ser agênero em BH?

Atualizado: 2 de dez. de 2018

A sexta-feira da Paixão havia amanhecido ensolarada. Peguei o metrô em direção à Estação José Cândido da Silveira, caminho que já tinha feito tantas vezes para visitar Túlio que, além de ser um de nossos entrevistados, já era meu amigo de longa data. Segui, sob as árvores da avenida que dá nome à estação, até a casa dele. Andava, então, entre os diversos atletas de final de semana que moram na região Nordeste de Belo Horizonte. Alguns usavam aparelhos de academia, que ficam no canteiro central, para se exercitar. Outros, no entanto, apenas aproveitavam a sombra das árvores para correr.


Quando pensei em entrevistá-lo, já me vieram à cabeça as várias histórias sobre a relação que ele teve com gênero e sexualidade, as quais acompanhei durante esse tempo de amizade. Desde quando nos assumimos enquanto gays, ainda no último ano do ensino fundamental, até os momentos em que ele se questionou sobre a sua identidade de gênero, já mais recentemente. Foram, enfim, vários casos, namoros e rolês.


Foi impossível não pensar em como essa proximidade afeta o meu “olhar jornalístico” sobre o meu entrevistado. Todas essas memórias impossibilitam um olhar distanciado, desinteressado ou livre de concepções anteriores. Isso já se refletiu na elaboração da pauta: grande parte das perguntas foi redigida já com certa resposta em mente, premeditando quais histórias iriam surgir, como as das primeiras demonstrações de afeto em público ou da ida aos protestos. Ainda assim, Túlio trouxe novos olhares e questões que passaram despercebidas durante o processo de preparação para essa entrevista.


Brinco de flor com as cores do arco-íris.

Ao abrir a porta, o primeiro item que salta ao meu olhar é o grande brinco de flor no seu lóbulo esquerdo, em que cada pétala é de uma cor do arco-íris. Além de ter dois furos em cada orelha, há alguns piercings espalhados pelo rosto: septo, lábio inferior e um na cartilagem da orelha esquerda. Sua camiseta e bermuda combinam com o despojamento do feriado. O boné esconde um pouco do seu cabelo azul desbotado, cujas raízes já mostram o preto natural. Apesar das mangas da camiseta, é possível ver algumas tatuagens nos seus braços que contam um pouco da sua história: notas musicais, uma ilustração com o escrito “Just Dance Machine” (uma referência ao jogo em que ele já foi vice-campeão mundial), o personagem Coragem, o cão covarde acompanhado da citação “the things I do for love” e a chave do jogo Alice: Madness Returns.


O sol entra pelas janelas amplas da sala de estar, que é o primeiro cômodo que visitamos. As paredes são pintadas de um verde fluorescente, quase como se usa em estúdio de filmagem para fazer a alteração dos fundos na pós-produção. Em cima de alguns pequenos armários e móveis, há diversas fotos dele com os pais e a irmã: o inverno em Nova Iorque na adolescência, o verão em Los Angeles, as andanças pelas montanhas peruanas. Há dezenas de jogos de videogame e alguns consoles no móvel da televisão e na mesa de centro, apenas uma das diversas coleções cultivadas por Túlio.


Definitivamente, o quarto de Túlio é uma expressão dos seus gostos, preferências e hobbies. Se a sala é ampla e espaçosa, esse cômodo já parece bem apertado pelo número de objetos presentes. Logo ao entrar, já vemos um grande retrato do momento em que recebeu a medalha de vice-campeão mundial de Just Dance, há quatro anos em Paris. Abaixo está uma mesa onde equipamentos de filmagem, como câmeras, carregadores e baterias extras, se amontoam junto ao seu computador. Em meio a isso tudo, se destaca um copo em forma de perna da famosa casa de shows drag Hamburger Mary’s, em Los Angeles. Pelúcias dos mais diversos personagens ocupam quase todo o espaço da sua cama. Já na estante, action figures do jogo como Mortal Kombat X e Super Mario Bros dividem espaço com CDs da Lady Gaga e Katy Perry, um livro de fotos da Xuxa, peças de teatro e exemplares de literatura infanto-juvenil, como a série Fazendo o meu filme.


Dentro do guarda roupa de Túlio, onde há pelúcias, perucas e roupa de cama.

O seu armário está mais bagunçado que o normal: ele estava se preparando para se mudar para um apartamento um pouco menor e mais próximo do Centro, na região Leste da cidade. Há um amontoado de caixas, entre as de sapatos, de jogos e de brinquedos. De um dos lados, estão as suas roupas do dia a dia. Em sua maioria, camisetas com estampas de videogames ou desenhos animados, camisas xadrez, calças, shorts, e algumas saias longas, como a que ele colocou quando fomos tirar as fotos após a entrevista. Já na outra estão algumas fantasias, vestidos e saltos, muitos deles figurinos que já foram usados em seus vídeos.


Pela quantidade de câmeras na casa de Túlio, fica claro que elas não são estranhas para ele. Desde 2013, ele atua profissionalmente como YouTuber, além de ter começado a se preparar para se tornar um ator de teatro em 2014. Ele já falou abertamente sobre sua relação com gênero e sexualidade na Internet e apareceu com roupas das mais diversas: fantasiado, em drag, dançando em salto 15, usando saias e vestidos. Já acostumado a ficar em ambos os lados da câmera, ele responde às nossas perguntas sem qualquer dificuldade ou embaraço e, quando erra, automaticamente repete a fala por inteiro, como quem já está pensando no trabalho do editor. A entrevista fluiu de forma tranquila e, por que não, como uma conversa de velhos amigos.


Vivendo além das barreiras de gênero

Apesar de ter nos recebido com roupas consideradas masculinas, o vestuário de Túlio, hoje, transita entre os padrões de gênero. Olhando pelo seu feed do Instagram, é possível vê-lo de botas de salto, shorts curtos, meia-calça e unhas pintadas. Ele se classifica como agênero, um termo que faz parte do “guarda-chuva” das pessoas não-binárias ou genderqueer. Esse movimento defende que o gênero deve ser visto como um espectro que vai do masculino ao feminino, não um binário em que se é só um ou outro. Após passar algum tempo experimentando com roupas mais femininas, ele chegou à conclusão de que o seu guarda-roupa é apenas uma das formas de expressar a sua identidade e não mais uma limitação. É uma potência.


Quando criança, ele percebia que não se encaixava tão bem tanto nos grupos de meninas quanto nos de meninos. Durante a pré-adolescência, ele possuía cabelos grandes que lhe conferiam uma aparência andrógina. “Você é homem ou mulher?”, diziam os colegas, muitas vezes em tom jocoso, e até mesmo alguns professores nos primeiros dias de aula. Enquanto isso, ele passava pelo processo de compreender e aceitar a sua própria sexualidade. Apesar do bullying, ele manteve essa aparência por vários anos, até o início da sua adolescência, quando cortou o cabelo e deixou a barba crescer.


Vários tipos de sapato de salto alto.

O processo de questionamento começou a tomar mais corpo durante o final do ensino médio e o início da idade adulta, quando ele já adotava os piercings, brincos, tatuagens e cabelo pintado que marcam seu visual até hoje. Só isso já fazia com que ele sentisse que chama atenção ao passar pelas ruas da cidade. Os saltos altos já lhe causavam um fascínio e foram alguns dos primeiros itens da indumentária feminina a entrar no seu guarda roupa. Saltos finos, grossos, brilhantes, peep toe, botas são alguns dos que populam o armário de Túlio e saem em ocasiões especiais: festas, comemorações e baladas. Já os tênis ocupam o lugar dos deslocamentos do dia a dia.


Um dos pontos de partida para a autodescoberta foi o filme Garota Dinamarquesa. O drama de 2015 narra a história de Einar, que começa a questionar a sua identidade de gênero após se maquiar e usar um vestido em uma festa. A partir disso, a personagem passa por um processo extenso de transição, não só muda as suas vestimentas, como também passa a observar mulheres para mudar o seu comportamento e começa a adotar o nome de Lili. Por um período, Túlio se questionou se estava passando por um processo similar ao da protagonista do filme, que também teve como ponto de partida uma mudança de indumentária. No entanto, percebeu que os elementos masculinos do seu corpo, como os pelos da barba e do peito, nunca o incomodaram, mas sim as imposições de comportamento associadas a cada um dos gêneros.

Túlio usando uma peruca longa, segurando outra peruca em uma mão. e uma saia na outra.

Hoje o seu estilo é bastante eclético: saias longas, vestidos curtos, shorts que não passam da metade das coxas, bermudas longas, camisetas com personagens de desenhos animados e videogames. A verdade é que o seu armário é dividido com a sua persona drag queen, Chntya Mattel. Algumas peças são compartilhadas, como os saltos e brincos, mas os vestidos, colares e maquiagens são praticamente todos dela.


De personalidade alegre, jovial e carismática, Chntya é originada direto da infância de Túlio. O que era boneca Barbie que aparecia em diversas histórias e desenhos que ele criava tomou a forma de uma persona de cabelos longos, roupas coloridas e mais de 1,80 de altura, em cima dos saltos. Ela nunca chegou a subir nos palcos das boates, mas ocupa principalmente um lugar cativo em seus vídeos e já deu as caras na pista de dança da antiga boate Josefine, que fechou no ano passado após mais de 10 anos em atividade.


Em casa e entre os amigos, Túlio encontrou tranquilidade para se expressar. Depois de uma infância brincando de boneca com as primas, foram anos entendendo o que significava não ser hétero. Da irmã, das primas e de amigo em amigo, foi contando, quase que se preparando para quando, aos 18 anos cumpriria uma promessa feita a si mesmo de falar sobre isso com os pais. Era um marco: pensava que, ao atingir a maioridade, se emanciparia ao todo, ilusão de adolescente. No entanto, ao menos os anos de uma relação de diálogo lhe trouxeram tranquilidade nesse passo importante em direção a uma relação mais transparente com os pais.


Os namorados nas festas de família e almoço de domingo não eram mais apenas “amigos” e estava em pé de igualdade com os seus outros parentes heterossexuais. Nunca houve falta de respeito ou conflito direto, mas já dava pra perceber algo diferente no olhar e no tratamento de alguns familiares mais distantes. Alguns anos depois, ele já estava chegando na festa de natal de saia e unha pintada, além de todas as fotos nas suas redes sociais. Mas ele não via esse tipo de situação necessariamente como um campo de batalha, como é o caso de muitas pessoas LGBTQ que precisam bater de frente com a família só para poder se expressar.


Túlio segurando dois vestidos em cabides.

Se nas primeiras vezes em que saía de unha pintada sentia quase uma necessidade de escondê-las do trocador quando passava na roleta, naquele território ele sabia que com o respeito não lhe faltariam. Sempre brincalhão e extrovertido, o seu jeito de ser nunca mudou. Seus parentes não podiam negar, “É o Túlio”, como ele mesmo cita.


O processo de repensar a sua relação com o gênero atravessou muitas das relações amorosas que já teve. Mesmo que, no caso das relações mais efêmeras, essa questão nem sempre seja tratada de forma direta, os aplicativos de relacionamento estão repletos de frases como “Não curto afeminados”. Das últimas vezes em que estava solteiro, já não usava a foto de rosto em seu perfil para evitar que fãs o procurassem por ali. Ao se identificar, não raro os elementos como o cabelo colorido e os piercings já causavam rejeição.


Entre alguns relacionamentos que teve nos últimos anos, esse foi um ponto de conflito. Ex-namorados já tentaram lhe tolher tanto das roupas quanto das unhas, mesmo sendo pessoas que se consideram “do meio” . Em brigas e discussões, chegou-se ao ponto de dizer coisas como “você é uma mulher trans, só não sabe disso ainda!”. A sua identidade vai além de um relacionamento com uma pessoa só, mas sim uma relação ele tem consigo mesmo e também com a sociedade.


Se na vida privada Túlio conseguiu chegar a um ponto em que consegue expressar a sua identidade com liberdade, fazer isso nas ruas da cidade ainda lhe causa receio. O medo da violência, principalmente em áreas como o Centro, fazem com ele se vista de forma mais masculina quando precisa sair sozinho. Um dos meios que ele encontrou para se sentir mais confortável é buscar sair sempre em grupo.


Lugar dos LGBTQs não é só na noite

Hoje com 22 anos, Túlio começou a ir a bares e boates LGBTQs logo quando completou 18. Além da já citada Josefine, ele chegou a frequentar outro estabelecimento da noite belorizontina que já fechou: a boate OnBoard, que fez parte da cena da cidade até 2015. Apesar de hoje não frequentar tanto a vida noturna, esses lugares o ajudaram a perceber que ele não estava sozinho e a ver a diversidade de pessoas LGBTQ da cidade.


Atualmente, um dos lugares que ele costuma ir é O Mercado. O local, que já foi conhecido pelas alcunhas de Mercado das Borboletas e Mercado Novo, ocupa mais de 9 mil m² na Avenida Olegário Maciel, próximo à Praça Raul Soares. O que era um mercado há 50 anos, hoje em dia recebe festas dos mais diversos tipos, muitas delas voltadas para o público LGBTQ. Nessas noites, o palco tem pessoas de diversas identidades de gênero, vestimentas e etnias, celebrando a diversidade. Ele é conhecido não só pelo seu espaço amplo, cheio de corredores e grafittis, mas também pelo seu abre-e-fecha incessante, só nesse ano houve um hiato entre 30 de junho e 6 de outubro nos eventos promovidos na página do Facebook. Ao longo das noites, as bancadas com pia se transformam em assento e fumódromo para quem só está esperando escutar as primeiras notas da sua música favorita tocar para retornar à pista.


Ao mesmo tempo em que descobria os lugares noturnos, Túlio também começava a sua formação em Teatro e o seu processo de descoberta do gênero. Isso o levou a se voltar para os centros culturais da cidade, que hoje são alguns dos lugares onde ele se sente mais confortável para se expressar tanto com relação ao afeto quanto ao gênero.

Uma das suas primeiras referências é o Galpão Cine Horto, onde ele estudou por diversos anos. Localizado próximo ao final da Avenida Silviano Brandão no bairro Horto, o prédio de fachada colorida abriga palco de teatro, sala de cinema e um centro de pesquisa sobre artes cênicas, reunindo milhares de espectadores e centenas de alunos todos os anos. No palco de lá, Túlio já interpretou homens, mulheres e personagens no meio desse espectro, rodeado por pessoas das mais diversas gerações, origens e identidades que compõem as turmas dos cursos.


Um local em que ele se surpreendeu com a abertura das pessoas foi a UFMG, onde ele ingressou no segundo semestre do ano passado. Em 2017, Túlio foi um dos mais de seis mil alunos que ingressa na graduação todos os anos. Cursando graduação em Teatro, ele transita principalmente entre o Teatro Universitário, a Escola de Belas Artes e a Faculdade de Letras, três dos edifícios do Campus Pampulha. Entre os seus colegas, encontrou grande aceitação tanto da sua identidade de gênero, quanto da sua orientação sexual, o que criou um espaço confortável para que ele se expressasse.

Hoje, o Campus Pampulha é um espaço de 3 milhões e 340 mil m² repleto de gramados, árvores frutíferas e flores, além de dezenas de prédios. O processo de construção da Cidade Universitária já dura mais de 60 anos. O primeiro prédio a ser inaugurado foi a Reitoria em 62, e, logo em seguida, a Escola de Belas Artes, em 63. Com três andares e formas quadradas, o seu espaço geralmente é tomado pelas obras dos seus alunos. Passando pelo corredor de entrada, se encontra um espaço com diversas mesas onde os estudantes se reúnem todos os dias, seja para conversar ou para trabalhar em alguma produção artística. Praticamente escondido por ela, está o Teatro Universitário que fica logo atrás, um prédio mais horizontal, já de cores desbotadas.


No entanto, não basta que esses lugares sejam abertos ao público LGBTQ quando estão rodeados por um ambiente pelo qual essas pessoas não estejam confortáveis em transitar. Para Túlio, esse é o grande obstáculo para a comunidade com relação à cidade agora: tomar todos os espaços públicos, não só durante à noite. Mesmo em lugares pelos quais ele já está habituado, ele sente dificuldade de se sentir totalmente seguro se está usando vestidos ou expressando seu afeto junto a um parceiro.


Para além do ato de ocupação cotidiano, Túlio ressalta a importância das manifestações como forma de trazer a discussão de gênero e sexualidade para a sociedade em geral. Um dos dias mais marcantes foi 17 de julho de 2016, quando foi realizada a 19ª Parada LGBT da cidade. Em meio a um clima misto de festa e protesto que reuniu cerca de 60 mil pessoas na Praça da Estação em uma tarde de domingo, ele estava na correria do backstage, auxiliando na cobertura fotográfica para o site Muza.


O palco foi ocupado por dançarinos, drag queens, cantores(as) e militantes, que traziam mensagens de aceitação e respeito à diversidade. Com o processo de Impeachment já a um mês de se concretizar, os manifestantes já se posicionavam contra o Golpe. Ao final da tarde, quando os trios elétricos subiram pela Avenida Amazonas, ele pode acompanhar tudo de uma vista privilegiada, registrando do alto do carro uma foto na qual a multidão segurava as bandeiras do orgulho LGBTQ e do orgulho Trans. No entanto, ele também pode ver aos poucos o movimento se dispersando à medida que começavam os arrastões, momento em que ficou visível a falta de apoio institucional do município e do estado ao evento.


Uma noite de barba, cabelo azul e salto alto

Em uma noite de sexta encontrei Túlio para acompanhá-lo em uma saída para dois dos seus lugares favoritos na cidade. O sol havia acabado de se por quando ouvi o barulho das botas de salto alto dele andando pelo pátio do Centro Cultural Banco do Brasil. O prédio existe na Praça da Liberdade há quase 90 anos, com uma arquitetura neoclássica e área de 8 mil m². Por diversas décadas, ele foi ocupado por órgãos de Segurança Pública até ser fechado para reformas em 2009. Reaberto com a nova alcunha em 2013, o CCBB foi considerada a sexta instituição cultural mais visitada no Brasil pela publicação The Art Newspaper em 2014.


Túlio vem acompanhado de seu namorado, Marcelo, e de sua prima, Pabline. O cabelo, recém retocado de azul, é o que mais chama atenção a primeira vista pela sua cor brilhante. Ele contrasta com as roupas monocromáticas: uma camisa de algodão branca, uma saia indiana preta com estampas de flores e elefantes em branco e os sapatos também pretos. Um olhar mais atento percebe que seus brincos são pequenas bruxas de bisquit e que suas unhas têm cor de cobre (mas ele me confessa que são postiças).


Eu os encontrei no pátio do edifício, onde fica o Café com Letras. Vimos um grupo de pessoas, em sua maioria jovens, participando de uma visita guiada que ocorria em uma instalação chamada “Passeio Controlado” da exposição do artista Christus Nóbrega. Entre um público de cerca de 20 visitantes, havia pessoas dos mais diversos tipos e estilos para ver a instalação que usa de uma fábrica de pipas chinesas para criticar o sistema de produção industrial contemporâneo.


Aproveitamos que ainda estava cedo para passear pela Praça da Liberdade e fazer gravações. Cortada por algumas das Avenidas mais importantes do Centro de Belo Horizonte, o ponto turístico da cidade ainda estava bastante movimentado às 18 horas. Diversos corredores circulam pelo perímetro: jovens e idosos, corpos atléticos e comuns. Há casais namorando nos bancos, adolescentes, no coreto, conversando sobre o que vão fazer no final de semana, skatistas andando na área aberta e pessoas que pararam ali para descansar antes de seguir com a sua rotina de sexta à noite. Andamos os quatro entre as árvores e os chafarizes desligados com tranquilidade, enquanto conversamos sobre a mudança de apartamento de Túlio, que havia ocorrido na semana anterior.


Túlio caminhando de mãos dadas com Marcelo dentro do CCBB de BH.

Quando voltamos ao CCBB, nos surpreendemos pelo prédio estar vazio. O casal mantém o seu mesmo jeito despreocupado e alegre passeando pela exposição. “Não dá mais, era uma briga em cima da outra...”, Túlio cantarolava em diversos momentos enquanto andávamos pelas salas da exposição, às vezes, até dançando um pouco. Ele alternava o funk de MC Don Juan com o MPB de Dalva Oliveira, “o peixe é pro fundo da rede, segredo é pra quatro paredes...”. Marcelo, apesar de um pouco mais contido, o acompanha. Percebo certo estranhamento dos vigias ao longo da exposição, mas não sei se ele é em relação a Túlio, ou ao fato de estarmos fazendo gravações no local. Entre os poucos visitantes que passam, observo que ou não se incomodam conosco ou que parecem tentar evitar olhar em nossa direção.


Por diversas vezes, fazemos paradas para tirar fotos ou gravar stories para o Instagram de Túlio e da sua prima. Ele posta fotos e vídeos diariamente na rede social, onde quase 4 mil seguidores acompanham o seu cotidiano. Ocasionalmente, passam um pouco mais de tempo em uma obra ou outra da exposição do trabalho do artista Athos Bulcão. Eles exibem seu afeto sem sinais de receio: não só andam de mãos dadas, como também se beijam, abraçam, brincam e fazem piadas entre si o tempo todo, como um casal recém apaixonado. Mais tarde, Marcelo veio a lembrar que estavam completando seis meses desde que se conheceram pelo aplicativo Grindr.


Ao terminarmos de percorrer as obras, saímos do prédio e passamos novamente pela Liberdade no caminho para o ponto de ônibus. Já passava um pouco das 20 horas e a praça estava mais deserta. Em um dos poucos pontos bem iluminados, vemos dois homens sentados em um banco se beijando. Ao entrarmos no ônibus já vazio, os poucos passageiros nos olham com estranheza enquanto andamos até os assentos do fundo. Em meio ao silêncio da noite na Savassi, as nossas vozes se sobressaem. Descemos na Avenida Nossa Senhora do Carmo e subimos a Rua Cristina até o Oliver Art Bar.


Em meio às casas da região, a fachada do Oliver só se destaca pela sua placa, o que causou certa estranheza em Pabline e Marcelo, que, como eu, estavam indo lá pela primeira vez. No entanto, logo na escada para a área em que fica o bar já se vê uma pintura e duas pequenas lousas escrito “Lula Livre” e “Marielle Presente”. Ao lado do caixa, também se vê adesivos de “Fora Temer” e “Amar sem temer”.


Parede pintada com o personagem Hyoga de Cavaleiros do Zodíaco.

O local é dividido entre diversos ambientes: desde mesas internas, com sofá e sinuca, até uma área aberta com bancos. As paredes são todas coloridas de forma vibrante, há pinturas abstratas, cartoons, até desenhos de figuras como Freddie Mercury e Hyoga. Sentamos-nos em um chão de carpete, sem cadeiras, diversas almofadas e pequenas mesas. Duas atendentes jovens nos receberam com bastante naturalidade e anotaram nossos pedidos ao longo da noite, parando para conversar conosco de vez em quando sobre a música, relacionamentos e outros assuntos que permearam as nossas conversas.


Quando chegamos, percebemos que éramos praticamente as únicas pessoas lá. Na medida em que a noite passava, acompanhamos diversos clientes chegando ao local, passando pelo corredor ao lado, procurando em qual lugar iam se acomodar. As aparências e os modos de ser dos fregueses eram os mais diversos, casais de gays e héteros, grupos de amigos jogando conversa fora, uma dupla que ficou tomando cerveja na área da sinuca.


Entre drinks, petiscos e hambúrgueres, aproveitávamos alguns momentos para levantar e dançar ao som de Britney Spears e Lady Gaga. As nossas conversas ao longo da noite não foram embaladas apenas pelo pop, como a playlist também tinha muito indie e rock. Dentre os lugares em que passamos pela noite, aqui foi onde Túlio e Marcelo pareceram estar mais à vontade na forma como expressavam afeto. Sentaram-se próximos e, em alguns momentos, deitavam a cabeça um no outro, trocavam beijos e outras carícias. Até meia noite, ficamos ali em uma genuína conversa de bar, em que misturamos política, trabalho, faculdade e relacionamentos amorosos.

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